9.5.09

bicho papão IV: O bebê sem cabeça

Eu vi o bebê sem cabeça pela primeira vez perto dos cinco anos de idade. Melhor, ouvi.
O "cores, nomes" (Caetano Veloso, 1982) era meu disco favorito na época e embora me deleitasse com "Queixa" (que menina não se encantaria com uma música sobre amor e princesa?), "Trem das cores" e "Um canto de faoxé para o bloco do ilê" (eu jurava que ilêaiê era o nome do filho do Caetano e que a música era para ele), era preciso coragem para enfrentar "Ele me deu um beijo na boca", a terrível música do bebê-sem-cabeça (ífens indispensáveis para o caso). Não sei se foi o tom misterioso desta música, se foram os versos incompreensíveis, o impacto da idéia de um homem beijando outro ou ainda a influência da mula sem cabeça (o sítio do picapau amarelo era sensação na mesma época) que me influenciaram ao interpretar "a vida é oca como a touca de um bebê sem cabeça" como "a vida é oca como a touca de um bebê-sem-cabeça".
E o bebê-sem-cabeça me apavoravou por muito tempo, pois eu mantive a sua existência em silêncio. Ainda me lembro bem da risada alta dos adultos quando, num jogo de adivinhação, me perguntaram "Qual ser assustador que não tem cabeça?" e eu respondi "o bebê de Caetano."

13 comentários:

Carolina disse...

Ana, eu sempre achei esse verso dessa música um pouco macabro também. Acho que a tensão dela mesma colabora. Mas minha experiência é bem posterior, 18/19 anos. Mas é que esquisita, é.

Nicolau disse...

Excelente. No meu caso não chegou a ser um bicho-papão, mas eu lembro que eu estranhava muito quando minha mãe falava que ia dar o "telefone lá de casa" para alguém...eu pensava que esse alguém ia lá em casa pegar o aparelho.

O Alexandre, meu vizinho, por outro lado, tinha uma "bolsa" na escola, porque os pais dele eram professores. Eu ficava imaginando como é que uma mochila de colégio poderia fazer diferença na hora de pagar.

Sem contar que quando minha avó uma vez disse que fulano tinha um baita pistolão no Detran e conseguia resolver tudo por lá, eu, claro, pensei no cara chegando lá com um revólver enorme.

Crianças....


Beijos

Unknown disse...

puxa, esse álbum marcou minha infância tb. em LP. esse, um da nina simone (I put a spell on you, incrível) e mais uns outros trocentos do chico, caetano, nina mesmo e outros. mas esse eu lembro bem, tinha uma pena de pavão na capa. e essa música sempre foi meio sinistra. mas eu adorava ;-) (eu já era uma criança beeem estranha)

Bel disse...

Bom, nesse caso, eu morria de vergonha quando pedia um "sanduíche para viagem", quando eu, simplesmente, ia para casa, ali na esquina. Mas minha mãe pedia para eu especificar que era
P-A-R-A V-I-A-G-E-M,
tinha que acatar ordens maternas...

Carolina disse...

bel, tua história infantil é das melhores!

uma minha: meus pais às vezes usavam a expressão 'azar seu', em situações como 'não quer? azar seu.'

eu achava que era um verbo. a saber, o verbo 'azarcer', conjugado na terceira pessoa do singular.

eu azarci
tu azarçaste
ele *azarceu*

o significado era como 'problema seu', 'não sabe o que está perdendo', 'se deu mal', ou algo nesse sentido.

meus pais riram muito muito recentemente quando contei isso pra eles.

Dimitri BR disse...

hahaah vários detalhes deliciosos neste fascículo de "bichos papões da pequena ana". deixa eu tentar comentar alguns:

- queixa = música de barbie

- caetano e seu filho ileayê veloso

- tom misterioso, versos imcompreensíveis, beijo gay e a sombra da mula-sem-cabeça: achei você uma criança muito sensível, tudo isso aí tem na música mesmo, até a mula eu achei que foi muito bem acrescentada/intuída pela pequena você

- aliás um parêntese: silvia morria de medo de um disco de música erudita eletrônica que eu tinha (o "quadros em exposição", do mussorgsky - ok, o nome do cara já dá medo - reinterpretado pelo japa louco isao tomita em sintetizadores que ele mesmo construiu) e tivemos muitos episódios de assombração com esse lp.

o medo que a silvia tinha daqueles sons, mais que me divertir, me fascinava. e acho que ela, no fundo, tinha vontade de tornar a senti-lo, pois mesmo relutando ela acabava aceitando a trilha sonora nas nossas brincadeiras de suspense, de novo e de novo.

- voltando ao bebê-descabeçado: mas pela distinção gráfica de hoje (com hífen x sem hífen) você queria sugerir que o verso original pretendia ser "como a touca de um bebê, só que sem a cabeça"?

porque se for isso, cara ana - e sem querer assustá-la, mas a bem da precisão dos fatos - eu devo informá-la que, embora desifenizado, o bebê-sem-cabeça EXISTE sim lá na música.

é vazio como a touca de um bebê que não tem cabeça, e por isso não recheia suca touca.

não sei se foi algum mecanismo de defesa teu que matou o descabeçado a golpes de hífen, mas ei, ana-adulta, ele está lá sim viu, escondido entre os sulcos do vinil, lamento informar! =D

- finalmente, adorei também o arremate do jogo de adivinhação! um dúvida: os adultos aceitaram a resposta como acerto? se não, pode ligar pra eles hoje mesmo, um por um, e dizer que o dimitri apóia e atesta tua resposta! ;]

beijos-com-pé-e-cabeça.

Anônimo disse...

Caracas, cinco anos e ouvia Caetano? Com cinco anos eu ouvia Toppo Giggio e uma coleção chamada Disquinho...rs

Bel B disse...

Pois é, meus pais eram mais lights. Com 5, 7 anos eu ouvia Rita Lee e Luiz Gonzaga. Criança eclética. Mas é verdade que tinha Doce Vampiro. uuui. Medo. Tinha também "Dois Siris Jogando bola", que é muito fofa. Algo que partimpim deveria regravar.

O Pedro também tinha essa infeliz mania de irmão mais velho de assombrar a infeliz mais nova. Não lembro o que ele colocava para se transformar num horrível monstro. Mas, ele ouvia Evita (o musical), Rock Horror Show e Nina Haggen. OK, ele podia escolher entre um desses aí porque todos, de uma forma ou de outra, eram assustadores.

Mas até que a educação musical lá de casa deu certo. Hoje misturo tudo isso aí.

Carolina disse...

Concordo com Dimitri: o bebê está lá na música!! Sempre entendi com hifen.

Eu tinha muito muito muito medo de uma música de um disco infantil de bichos. Eu não conseguia escutar a música do leão de jeito nenhum. Alguém sabe que disco é esse? A capa do disco era preta, com desenhos de bichos...

Rodrigo Levino disse...

bom, o texto ta otimo como sempre, mas o que eu quero dizer mesmo é que eu to com uma PUTA SAUDADE do achilles. sim, de vocês todos, claro, mas não tenho como negar que em níveis oceânicos do meu little boy. ou seja: tratem de dar um jeito nisso. beijos muitos.

ana k. disse...

carolina,
a música é toda macabra!
"uma toca de raposa bêbada" é um outro trecho!

nicolau,
crianças são fantástica. a bolsa também me era misteriosa...

carol,
rolava nina simone lá em casa também. mas, engraçado, não me marcou tanto não. o meu outro disco de infância era o john e yoko (a parte do john, claro. porque eu era estranha, mas yoko não dá, né?)

bel,
mas, ué, uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa, né? adultos!

carollina
completando: minha avó falava ad eternum e eu entendia a de eterno e ficava pensando onde estava o a naquela palavra.

dimi,
comentários divertidos!
queixa: só se for da barbie hippie, meu bem! eu continuo gostando muito da letra desta música.
ai, e será que o bebê sem cabeça morava na toca da raposa bêbada?

chorik,
amava o toppo giggio cantando meu limão, meu limoeiro!
volte sempre.

rodrigo (seria melhor polemílio?),
saudades mil de vocês também. ouro dia ainda falávamos com o pequeno do salti-o de poeira. venham, venham para cá! (que honra sua visita, viu?)
beijos,

Beá Meira disse...

História maravilhosa.
Eu já tinha mais de 20 anos, e adorava aousadia das imagens possíveis deste verso.

ana k. disse...

eu continuo com medo, beá, até hoje.
beijo,