30.4.10

alguma epifania

27.4.10

8.4.10

Bumba

Eu não ia falar sobre a chuva. Eu não quero pensar sobre a chuva. Faz tempo escolhi o caminho da alienação para me proteger da minha própria bílis cheia de potencial para fervilhar e me azedar por dentro ao olhar para certas coisas. Eu fecho os olhos, por escolha. Mas em Niterói, cidade vizinha, cinquenta casas desabaram numa favela depois do temporal. Eu apertei os olhos para não ver, tampei os ouvidos para me livrar das asneiras ditas pelas autoridades competentes, mas não deu. Eu já tinha visto. Em 2004. Ainda não tinha caído nada, quando cheguei ao morro do Bumba. Médica de família de um setor novo, cadastrei família por família naquela região. Devo ter entrado em todas as cinquentas casas desabadas ontem para conhecer seus moradores. Antigo lixão de Niterói, o morro tinha o solo frágil. Algumas casas já eram rachadas porque o o terreno cedia um pouco todos os dias. Quase todas as famílias pagavam contas públicas, como água, luz e IPTU. O Estado sempre soube do endereço dessas famílias. Mais de uma vez acionei meus supervisores com os moradores para pedir providência. E várias vezes eles acionaram as autoridades competentes da cidade para pedir soluções. A resposta veio com a chuva, quase seis anos depois: Estima-se duzentos mortos. As autoridades se dizem chocadas com a catástofre e até mesmo o governador do estado esteve por lá de visita. Culpam a chuva, o acúmulo de metano no solo e uma tal de ocupação de área de risco pela tragédia. Falam tanta asneira juntos que qualquer discussão decente sobre o manejo dessas situações fica inviável. O caos é um emaranhado que vem anos antes da chuva. E é por isso que eu não quero falar na chuva. Calo minha boca diante da impotência de 50 famílias soterradas, da minha própria impotência. E da incompetência de uma país inteiro.