Eu vi o bebê sem cabeça pela primeira vez perto dos cinco anos de idade. Melhor, ouvi.
O "cores, nomes" (Caetano Veloso, 1982) era meu disco favorito na época e embora me deleitasse com "Queixa" (que menina não se encantaria com uma música sobre amor e princesa?), "Trem das cores" e "Um canto de faoxé para o bloco do ilê" (eu jurava que ilêaiê era o nome do filho do Caetano e que a música era para ele), era preciso coragem para enfrentar "Ele me deu um beijo na boca", a terrível música do bebê-sem-cabeça (ífens indispensáveis para o caso). Não sei se foi o tom misterioso desta música, se foram os versos incompreensíveis, o impacto da idéia de um homem beijando outro ou ainda a influência da mula sem cabeça (o sítio do picapau amarelo era sensação na mesma época) que me influenciaram ao interpretar "a vida é oca como a touca de um bebê sem cabeça" como "a vida é oca como a touca de um bebê-sem-cabeça".
E o bebê-sem-cabeça me apavoravou por muito tempo, pois eu mantive a sua existência em silêncio. Ainda me lembro bem da risada alta dos adultos quando, num jogo de adivinhação, me perguntaram "Qual ser assustador que não tem cabeça?" e eu respondi "o bebê de Caetano."